Eucivânia Cunha e as filhas Ana Clara e Any Vitória, gêmeas siamesas que
nasceram unidas pelo cóccix em Natal no início deste mês de setembro
(Foto: Ricardo Araújo/G1)
Para a dona de casa Eucivânia Cunha, de 27 anos, seria apenas mais uma
gravidez. Entretanto, na 11ª semana de gestação, a surpresa: "O médico
fez minha ultrassonografia, perguntou se eu já era mãe e me disse que eu
estava grávida de gêmeos. Ele me disse que eu estava numa gestação
gemelar com os gêmeos colados", relembrou Eucivânia contemplando Ana
Clara e Any Vitória, as meninas que nasceram unidas pelo cóccix (região
glútea).
De acordo com o neurocirurgião Angelo Silva Neto, que acompanhou a
gestação de Eucivânia e o nascimento de Ana Clara e Any Vitória, este é
um caso raro. É, segundo o médico, possivelmente, o primeiro no Brasil
cujos gêmeos são unidos pela região glútea. "Os bebês serão submetidos a
um procedimento cirúrgico para separação corporal", disse ele.
"O caso dos gêmeos pigópagos, que são aqueles ligados pela superfície
póstero-lateral da região sacro-coccigeana, é raríssimo. Geralmente
ocorre um caso de gêmeos siameses a cada 200 mil nascimentos. Em relação
aos pigópagos, eles se resumem a 20% dos casos de siameses. Ou seja, é a
raridade da raridade", esclareceu o neurocirurgião.
Nascidas no dia 12 deste mês em um hospital da rede privada de Natal, as
meninas se desenvolvem dentro do que é considerado normal pela equipe
médica que as acompanha. Elas amamentam como os demais bebês, tem órgãos
internos e membros superiores e inferiores independentes, respondem a
estímulos, não aparentam retardo mental e emitem sons comuns aos
recém-nascidos.
A diferença é que, em decorrência da união coccigeana, elas compartilham
o mesmo ânus. A união corporal de Ana Clara e Any Vitória ocorreu no
final da coluna vertebral, o que reduz os riscos de sérios danos ao
desenvolvimento das recém-nascidas. "Os riscos são menores pois elas não
estão ligadas pela médula. Poderão ficar sequelas, quando da separação
dos corpos, pois há a comunhão de alguns nervos. Entretanto, elas
poderão ter vida normal após a cirurgia", esclareceu Angelo Silva Neto.
Apesar dos riscos do procedimento cirúrgico, os pais de Ana Clara e Any
Vitória decidiram que as filhas serão operadas. "Fiquei assustada no
início, mas entreguei a Deus", ressaltou Eucivânia Cunha. O
neurocirurgião confirmou que está orientando os pais das gêmeas e a
cirurgia para separação dos corpos não ocorrerá num curto intervalo de
tempo. É preciso que as meninas completem pelo menos nove meses de vida,
fortaleçam o organismo e multipliquem hemoglobinas para passarem pelo
procedimento cirúrgico.
"As dificuldades da cirurgia se concentram na perda acentuada de sangue
pelos bebês e na questão da separação do ânus. O caso deve ser muito bem
estudado pois irá refletir no cotidiano das crianças quando elas
estiverem mais velhas. Iremos avaliar se criaremos um ânus com a mucosa
existente no corpo de uma delas ou se adotaremos a colostomia, que
consiste na colocação de uma bolsa artificial para eliminação das
fezes", advertiu Angelo Silva Neto.
Diante da complexidade do processo cirúrgico e da impossibilidade de ser
realizado no Rio Grande do Norte, pela falta de leitos de Unidade de
Terapia Intensiva Pediátrica no Hospital Universitário Onofre Lopes, o
neurocirugião levará o caso à Universidade de São Paulo (USP), onde a
cirurgia deverá ser realizada. "Precisamos avaliar bem o local da
cirurgia e montar uma equipe multidisciplinar para participar do
processo. Acredito, porém, que a intervenção só será feita após o nono
mês de nascimento das gêmeas", ressaltou o médico.
A literatura médica brasileira não dispõe de muitos relatos quanto ao
nascimento de gêmeos pigópagos. No
Brasil, segundo Angelo Silva Neto, que também é professor universitário,
não há estudos publicados quanto à separação de gêmeos siameses unidos
pelo cóccix. "Este poderá ser o primeiro caso e servirá como fonte de
estudo para ocorrências futuras", enfatizou.
Um caso similar foi registrado no Hospital Infantil da Universidade de
Birmingham, na Inglaterra, em 2004. Os gêmeos foram separados e
sobreviveram ao procedimento cirúrgico.
O cotidiano das gêmeas siamesas
O nascimento de duas meninas unidas pelo corpo não foi sinônimo de
desespero para Eucivânia Cunha. Natural de Alto do Rodrigues, município
da Região Oeste e distante 339 quilômetros de Natal, Eucivânia fez todo o
acompanhamento pré-natal na Maternidade Escola Januário Cicco, na
capital potiguar, em decorrência dos riscos apresentados pela gestação.
Durante o pré-natal, Eucivânia comentou que os médicos lhe diziam que
existia a possibilidade das meninas se separarem ao longo do crescimento
embrionário. Entretanto, isto não ocorreu. "A gente pensa que isso
nunca vai acontecer na vida da gente, mas aconteceu e eu aceitei. Não
considero que minha vida mudou por causa disso", reiterou a mãe das
gêmeas.
Mãe de uma menina de quatro anos de idade, Eucivânia relatou que o
momento mais difícil na lida com as gêmeas siamesas é durante o banho.
"Sempre preciso ter ajuda de alguém. Tem que ter cuidado com a coluna
delas, segurar direitinho. Por isso sempre alguém tem que segurar as
meninas e a outra passar o sabonete e água", explicou.
Ela disse, ainda, que não sofreu preconceito e as meninas são muito
amadas por toda a família. "As pessoas olhavam e achavam que não era
normal. Mas elas estão bem. Eu deixei Deus cuidar da minha vida e
aceitei minhas filhas do jeito que elas são", disse Eucivânia
emocionada.
Sobre o que deseja para o futuro de Ana Clara e Any Vitória, Eucivânia
se emociona e, sorridente, resume que deseja que elas sejam felizes.
"Desejo muita saúde e que elas sejam muito felizes. A felicidade delas é
a minha felicidade", descreveu Eucivânia enquanto amamentava as
meninas.
Fonte: G1
Nenhum comentário:
Postar um comentário