A família do ex-ministro José Dirceu (Casal Civil) já se prepara para o
pior: sua condenação em regime fechado por envolvimento com o mensalão.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal não decide a pena, parentes já
planejam como serão as visitas na cadeia. A refeição da penitenciária é
uma das preocupações, pois ele é reconhecido como um sujeito bom de
garfo. "Meu medo é que ele se mate na prisão", chora Clara Becker, 71
anos, sua primeira mulher e mãe de seu filho mais velho, o deputado
federal Zeca Dirceu (PT-PR).
Casados por apenas quatro anos na época da ditadura militar, ela é amiga
próxima do ex-marido há mais de três décadas e tem certeza de que
"Dirceu não é ladrão". "Se ele fez algum pecado, foi pagar para
vagabundo que não aceita mudar o País sem ganhar um dinheiro (...) Se
ele pagou, foi pelos projetos do Lula, que mudou o Brasil em 12 anos",
afirma, referindo-se ao pagamento a parlamentares da base aliada que
receberam dinheiro para votar a favor de propostas do governo do
ex-presidente Lula, segundo a denúncia do Ministério Público.
Para ela, militantes do PT como Dirceu e José Genoino, ex-presidente do
partido, estão sendo sacrificados. "Eles estão pagando pelo Lula. Ou
você acha que o Lula não sabia das coisas, se é que houve alguma coisa
errada? Eles assumiram os compromissos e estão se sacrificando",
indigna-se.
"Sabe, é muito sofrimento. Uma vez peguei meu filho chorando de
preocupação com o pai. E minha neta, Camila, também sente muito."
Desde que começou o julgamento da ação penal 470, Dirceu diminuiu sua
exposição pública. Para se poupar de constrangimentos, ele evita
circular com desenvoltura, ser visto em Brasília ou jantar fora - seu
passeio predileto. Agora, o ex-todo-poderoso do governo Lula lista quem
são seus amigos fiéis e os recebe em sua casa de São Paulo ou na de
Vinhedo (SP). No fim de semana do dia 7 de outubro, eleição municipal,
ouviu ao telefone uma ordem expressa: "Benhê, limpa a área que eu tô
chegando". Era Clara avisando que lhe faria uma visita na casa do
interior paulista e deixando claro que não queria dividir a atenção do
ex-marido com mais ninguém - nem com a atual namorada dele, Evanise
Santos. Clara saiu de Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná, levando
em um isopor uma peça de carneiro temperada no vinho branco e alecrim.
Instruiu a empregada a deixar a carne três horas no forno, enquanto
aguardava o anfitrião chegar em casa.
Quando ele apontou no portão, ela ouviu também uma voz feminina. Chispou
escada acima e se trancou no quarto, alegando enxaqueca. Só desceu
quando seu filho bateu na porta e avisou que a "dor de cabeça" já havia
ido embora. Depois do fim de semana de comilança e champanhe, Dirceu
despediu-se dela, dizendo: "Preciso ir embora mais cedo para São Paulo,
tenho que eleger o (Fernando) Haddad".
Parente. "Hoje gosto dele como se fosse meu parente, mas já sofri muito.
Sabe aquele homem que é tudo o que pediu a Deus? Pois Deus me deu e me
tirou", sorri. Clara, que conta nunca mais ter namorado depois de viver
com o ex-ministro, foi casada, na verdade, com Carlos Henrique Gouveia
de Mello, um jovem órfão paulistano de origem argentina, pessoa que
nunca existiu, a não ser no disfarce adotado pelo então subversivo
banido do Brasil e procurado pelo regime militar.
Clara sabia que o marido guardava um segredo. Imaginou que ele tivesse
uma família em outra cidade, mas que teria fugido "da bruxa da mulher
dele e se ele quer ficar comigo e não com ela, deixe ele aqui, né?",
lembra. Só quando a anistia política foi decretada, em 1979, foi que
José Dirceu contou à mulher quem realmente era, apontando uma foto dele e
de outros exilados em recorte de jornal. "Pensei assim: 'Ai, era isso?
Grande coisa', porque nem estava por dentro do que aquilo significava."
Sua preocupação foi ter registrado o filho com o nome de um pai
fantasma. Mas compreendeu a importância da mentira. Também diz não
ter-se magoado quando, assim que voltou a ser Dirceu, mudou-se para São
Palo. "Ele até quis que eu fosse junto, mas não dava, eu estava com
filho pequeno, ajudava minha família e ele nem salário tinha, só queria
saber de fundar essa miséria desse PT", conta ela, que é petista roxa,
com direito a uma piscina nos fundos de casa decorada com a estrela e a
legenda do partido em minipastilhas.
Arrependida. Para ela, o único golpe foi ir a São Paulo e encontrar
cabelos pretos de mulher no banheiro. Descobriu que era traída. "O
Dirceu me disse: 'Se eu tenho outra é um problema, agora se a gente vai
se separar é outra questão'. E eu: 'Não, senhor, acabou aqui, cara'.
Peguei minhas coisas, o moleque pela mão e fui embora. Hoje, me
arrependo, se eu não tivesse deixado o campo limpo, estaria com ele...",
imagina.
Ela diz já ter preferido ser viúva a ver Dirceu "cada dia mais bonito"
indo em sua casa visitar o filho todo mês. Depois se convenceu de que
seria melhor para Zeca ter o pai por perto e sempre cedia sua cama para o
ex-marido dormir com mais conforto, mesmo que ele não tenha contribuído
com um centavo de pensão. Clara acha que nunca foi amada por ele.
"Dirceu nunca amou nenhuma mulher nessa vida, viu? O que ele amou foi a
política e pode ir preso por isso", diz. "Agora que o cartão de crédito
acabou, quero ver quem vai lá visitá-lo", provoca.
Em um de seus últimos encontros com o ex-marido, Clara o fez chorar: "Eu
disse a ele: 'A nossa ampulheta está acabando, você não se tocou, hein,
garoto? Mas se um dia você precisar de mim, eu venho cuidar de você'.
Ele ficou todo apaixonado e prometeu que ia me comprar um cordão de ouro
igual ao que o ladrão me roubou. Mas não comprou, né, só falou..."
Estadao
Nenhum comentário:
Postar um comentário