terça-feira, 30 de abril de 2013

Hospital investiga divulgação de imagens de paciente internado


Atualizado em 30/04/2013 19h18

Fotos mostram rosto desfigurado de vítima de acidente aéreo.
Homem seria o piloto do avião que se acidentou na última sexta, 26.

Ingrid Bico* Do G1 PA

Segundo bombeiros, pessoas sairem com vida foi "milagre" (Foto: Thais Rezende/ G1)Segundo bombeiros, pessoas sairem com vida de
acidente ocorrido em Belém no dia 26 foi
"milagre" (Foto: Thais Rezende/ G1)
O Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência em Ananindeua (HMUE), na Região Metropolitana de Belém, está investigando se fotos de um paciente que foram veiculadas em redes sociais e aplicativos de compartilhamento de imagens em telefones celulares da capital foram tiradas dentro do hospital. As imagens, que seriam do piloto Paulo Vicente Cancela, internado após acidente envolvendo um monomotor em Belém no dia 26, são chocantes e mostram o rosto do paciente antes e depois da cirurgia.
Há ainda outra foto, que mostra o piloto na sala de cirurgia, despido e ensanguentado. Ao lado do paciente, há pelo menos três pessoas vestidas com uniformes onde é possível ler “Bloco Cirúrgico”. Uma delas segura um celular na direção do rosto do piloto.
Segundo o hospital, não é possível afirmar que as fotos tenham partido de dentro da unidade médica, embora o paciente permaneça internado em estado gravíssimo desde o dia do acidente, impossibilitando que imagens do pós-operatório tenham sido feitas em qualquer outro lugar. Uma sindicância foi instaurada para investigar o caso, mas até o momento nenhum funcionário foi identificado como sendo autor das imagens.
Internet
Segundo a diretora da Divisão de Prevenção e Repressão a Crimes Tecnológicos (DRCT), Beatriz Silveira, veicular este tipo de imagem pode ser considerado crime. “Esse tipo de veiculação pode atingir tanto a honra do paciente quanto de seus familiares, uma vez que se trata de divulgação de imagem sem autorização. Assim, pode caracterizar os crimes de injúria e difamação, previstos no Código Penal Brasileiro”, esclarece.

De acordo com Silveira, este tipo de atitude pode até mesmo gerar um processo indenizatório, caso a família da vítima decida acionar os responsáveis na justiça. E isto vale tanto para quem tirou as fotos quanto para o hospital, que seria a instituição responsável pelo paciente. “É válido ressaltar que esse tipo de conduta pode gerar a obrigação de indenizar, em razão de danos morais sofridos por quem teve sua imagem divulgada indevidamente”, afirma.
No caso das redes sociais, a delegada explica ainda que é possível identificar a origem das publicações. “Na maioria dos casos é possível identificar de onde partiram as postagens, em sites e redes sociais”, assegura. Além disso, compartilhar as fotos também pode ser caracterizado como crime. “Mas para isso, a família da vítima teria que se manifestar contra a pessoa que compartilhou ou divulgou a foto”, diz.
MAPA_acidente-aviao_belem_300 (Foto: Editoria de Arte / G1)
Violação
Se a foto tiver sido feita dentro das dependências do Hospital Metropolitano, a atitude poder ser qualificada como violação de sigilo profissional, além de crime contra a honra do paciente. É o que explica a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PA), Luanna Tomaz: “Dependendo de quem tirou a foto, pode ser violação de sigilo profissional, crime contra a honra, utilizar a imagem de forma devida, dentre outros. Claramente quem tirou a foto, se foi algum profissional do hospital ou policial, violou o código de ética profissional, e pode até ser exonerado, suspenso ou advertido”, completa.
Para ela, a principal medida a ser tomada nestes casos é abrir um diálogo entre os profissionais e a administração do hospital. “Acima de tudo, vale a questão do hospital ter um diálogo com os profissionais,  informando que não pode acontecer esse tipo de coisa, expor o ser humano a uma situação assim. Isso é absurdo e cada vez mais comum. Recentemente vimos em vídeos pessoas que agridem ladrões. Crianças vão ter acesso, várias pessoas vão ter acesso, e isso estimula a violência, o desrespeito às pessoas, ao piloto e à própria família dele. Viola o direito da pessoa de preservar a sua imagem no momento vulnerável”, ressalta.
A advogada esclarece que, em casos como este, os responsáveis pela divulgação inapropriada podem ser acionados legalmente. “A ação judicial vale para quem tirou e quem divulgou, no caso, as pessoas que compartilharam esse tipo de foto [nas redes sociais]. A família pode mover uma ação cível contra a pessoa [que tirou a foto] pela forma que ele [o piloto] foi exposto, mas depende de como a foto foi obtida. Se foi dentro do hospital, existe uma questão ética. Dentro do hospital, a preservação do paciente é o principal, e cabe sim até mesmo uma indenização”, garante.
Trauma familiar
Para a psicóloga Ivani Vidal de Oliveira, a família do paciente provavelmente precisará de uma “atenção profissional” para lidar com a exposição de um momento como este. “A família provavelmente vai precisar de uma atenção psicológica, porque a vida de alguém que eles amam está jogada numa rede social como se fosse uma imagem qualquer. Imagens de tragédias não são banais. Quando divulgam este tipo de coisa, ninguém mede as  consequências para a família. E ver um parente nessa situação é muito traumático”, explica.
Isso é perversidade da imagem, e é tão brutal quanto um dano físico"
Ivani Vidal de Oliveira, psicóloga
Segundo ela, ainda que seja apenas uma foto, a exposição da tragédia é tão prejudicial como um dano físico.
“A gente se assusta com casos brutais de violência, mas acaba com a vida de uma família no momento em que participa de um ciclo como este, de compartilhar imagens de uma tragédia pessoal. Isso é perversidade da imagem, e é tão brutal quanto um dano físico”, assegura.

De acordo com a psicóloga, a insensibilidade é uma característica dominante neste caso, já que há uma divulgação indiscriminada da imagem de uma pessoa que não tem relação direta com os usuários das redes sociais. “A grande questão é que atualmente, parece que a normalidade virou patologia. Todo mundo compartilha tudo com todo mundo, e aí caímos na questão da insensibilidade”, comenta.
“É como se comemorassem apenas as tragédias: todo mundo para no trânsito para olhar um
acidente, uma pessoa ferida ou até mesmo morta. Parece uma atitude tão automática, que
é como se você precisasse do sofrimento e da tragédia alheia para ver que o ‘outro é pior
que eu, que não sofro sozinho’. As pessoas estão mais ligadas ao noticiário ruim do que às
coisas boas. Quando você tem uma notícia ou alguma coisa boa, você esconde. Por medo, por inveja, por diversos fatores que te fazem não querem compartilhar aquela alegria. Então hoje, ninguém mais divide o que é bom”, finaliza.
O G1 tentou contato com o irmão de Paulo Cancela, mas ele não quis comentar o fato.
* Colaboraram Natália Mello e Gil Sóter

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