domingo, 16 de junho de 2013

Ceará: Déficit leva Estado a impor reforma


16/06/2013






Lorena Alves
Secretário Eduardo Diogo minimiza o impacto da reforma previdenciária e alega que 70% dos servidores recebem abaixo do teto do INSS. (Foto: Natinho Rodrigues)
Sob a justificativa de equilibrar os cofres públicos, o Ceará está ensaiando uma reforma na previdência pública estadual. Somente em 2012, o Governo do Estado aportou R$ 1,5 bilhão para custear benefícios de pensionistas e aposentados. Em fevereiro deste ano, o Executivo enviou à Assembleia Legislativa projeto que altera as regras da previdência para servidores que recebam acima do teto estabelecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de aproximadamente R$ 4 mil. Caso seja aprovado, o novo modelo já vigora em 1º de janeiro de 2014.

Desse modo, o servidor público nomeado a partir do início do próximo ano que receba acima do teto do INSS não mais terá acesso à aposentadoria integral, que sempre foi considerada um dos grandes atrativos do serviço público, a menos que contribua em um regime compartilhado com o Estado. A proposta segue as mesmas diretrizes da reforma aplicada na esfera federal.

Para minimizar os prejuízos ao servidor, será oferecido um fundo de previdência complementar. Nesse caso, para cada real aplicado pelo funcionário, o Estado entrará com igual valor até o limite de 8,5% do salário base do beneficiário. De acordo com o secretário estadual de Planejamento e Gestão, Eduardo Diogo, o novo modelo não deve gerar impacto significativo aos servidores, porque 70% do funcionários públicos do Estado recebem abaixo do teto do INSS.

Pela proposta do Governo do Estado, serão criados três planos de custeio: previdenciário, financeiro e militar. Esses fundos serão autônomos e separados da conta do Tesouro Estadual. Na prática, funciona como poupanças sustentáveis que garantirão a aposentadoria dos servidores.

O parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCE) das contas do Governo Estadual de 2012 alerta para o aumento do déficit previdenciário no Estado. O relatório ainda recomenda a realização de concurso público, tendo em vista que "o crescimento com gastos com terceirizados, em termos nominais, foi da ordem de 37%, ao passo que com servidores ativos foi de 14%, em comparação com 2011".

O modelo de previdência no Brasil é baseado na repartição simples, em que a contribuição dos ativos, em tese, deveria financiar a aposentadoria dos inativos. Questionado se a não realização de concurso público contribui para o déficit da previdência, Eduardo Diogo justifica que o impacto das contribuições ao pagamento da previdência é tímido. Em 2012, por exemplo, enquanto o Estado aportou R$ 1,5 bilhão, as arrecadações dos servidores ativos somaram apenas R$ 350 milhões. "Esse foi o grande problema da previdência no Brasil, a repartição simples não é sustentável", declara Diogo.

Custos

O titular da Secretaria de Planejamento e Gestão acrescenta que os custos de um servidor público ao Estado são bem superiores ao de um trabalhador terceirizado. "O Estado pode pagar até um século por um servidor", exemplifica, ao citar o tempo de serviço, somado à aposentadoria e à possibilidade de transferência do benefício a um dependente, após a morte do servidor.

Quando indagado se o Estado seguirá o que foi recomendado pelo TCE, no tocante à realização de concurso público, o secretário diz que o Governo sempre dedica atenção ao relatório do Tribunal, mas pondera para a autonomia do Poder Executivo. "O Estado tem de fazer concurso público para as carreiras de Estado, relevantes. A gente tem que ter a devida ciência do preço que a sociedade paga", destaca o secretário de Planejamento.

O projeto do Governo do Estado que prevê a reforma na previdência estadual foi enviada à Assembleia Legislativa no último dia 20 de fevereiro. Eduardo Diogo argumenta que o Executivo Estadual não pediu urgência na tramitação da mensagem para que os deputados estaduais tenham tempo de debater e estudar a reforma, que deverá ser votada ainda este ano. "Começaremos a quitar esse grande déficit. As consequência são extremamente vantajosas ao longo das décadas", opina Diogo. Atualmente, a mensagem ainda está da Procuradoria da Assembleia aguardando parecer.

Até o dia 10 de junho de 2013, o Estado do Ceará já havia desembolsado R$ 831 milhões com pensões e aposentadorias do Executivo, Legislativo e Judiciário, mas o valor poderá chegar a R$ 1,7 bilhão até o final do ano. Os dados constam no Portal da Transparência do Estado. Entretanto, mesmo a longo prazo, ainda não é possível garantir se o Regime Complementar aliviará as despesas do Estado, pois as mudanças previstas na previdência só atingirão servidores do Executivo, exceto os militares. Legislativo e Judiciário continuarão com os mesmos benefícios.

Atualmente, o Poder Executivo do Estado dispõe de 60.900 servidores ativos, 56.900 aposentados e 16.600 pensionistas. A folha de pagamento é de aproximadamente R$ 470 milhões. A professora de Direito Previdenciário da Universidade Federal do Ceará Tereza Raquel Correia alerta para a discrepância de aposentadorias que se dará entre os servidores, já que Legislativo e Judiciário não pagarão o "ônus" pela reforma previdenciária. "Por que só o Executivo é o bode expiatório?", questiona.

Transparência

Outra indagação da especialista é a falta de transparência dos governos, nas esferas municipal, estadual e federal, do valor real do déficit ocasionado pela previdência. "Tem o rombo, mas ninguém sabe exatamente quanto. Existem, por exemplo, as aposentadorias indevidas. Não se sabe quanto se gasta, porque tem vários benefícios pagos de má fé. Há falta de esclarecimento do poder público", critica.

A professora da UFC reforça a justificativa do secretário Eduardo Diogo sobre o baixo impacto das contribuições dos servidores ativos no montante gasto pela previdência. Entretanto, a especialista pondera para as possibilidades alternativas de se equilibrar os valores gastos pela previdência pública de modo a atenuar as consequências para o servidor público, como o aumento da alíquota de contribuições sobre as remunerações.

"A crítica é que o Estado não coloca nada, o impacto é só para o servidor. Isso faz com que o servidor só se aposente com 70 anos, na compulsória. O serviço público vai perder qualidade e juventude", afirma Raquel Correia, opinando que a tendência é a desaceleração do setor público, porque as pessoas permanecerão mais tempo trabalhando.

Como o modelo de previdência brasileira foi pensado de forma que o pessoal da ativa mantenha os aposentados e os novos servidores não mais integrarão essa conta, nos próximos anos, há a expectativa de que o déficit da previdência possa aumentar. O impacto real para desacelerar essa conta só começará a ser percebido daqui a 30 anos, quando o primeiro servidor público se aposentar seguindo os novos critérios estabelecidos.

O secretário estadual de Planejamento e Gestão, Eduardo Diogo, reconhece que haverá uma aceleração do déficit da previdência, mas, segundo afirma, é "um pequeno aumento e que haveria de qualquer maneira. Mas agora começa a fazer uma poupança para o futuro". Por sua vez, a professora Raquel Correia ressalta que ainda há uma imponderabilidade sobre o impacto aos cofres públicos.

"Teria que fazer um estudo mais aprofundado do crescimento das demandas dos serviços públicos. Por exemplo, temos uma demanda de vagas enorme para a segurança público e o Governo não abre na mesma proporção. A população vai crescer, mas o Governo não vai acompanhar esse crescimento", alerta a especialista. E questiona: Será que daqui a 10 anos vai haver outra mudança?".

Nova previdência

Contribuições

Servidor público estadual nomeado a partir de 2014 integrará o Regime de Previdência Complementar, que estabelece novo modelo de contribuições para servidores que ultrapassam o teto do INSS

Federal

As diretrizes básicas da proposta seguem orientação do Governo Federal, que criou o Regime de Previdência Complementar do Servidor Público da União (Funpresp), aprovado em 2012 pelo Senado Federal

Déficit

Apesar da justificativa de equacionar o déficit atuarial do Sistema Único de Previdência Social dos servidores públicos, a proposta é vista com ressalvas por sindicatos representantes dos trabalhadores, porque limita a aposentadoria dos servidores públicos

Fonte: Diário do Nordeste

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