Atualizado em
06/05/2013 01h24
Empresário revela bastidores da fraude desarticulada pela Polícia Federal.
Grupo exigiu R$ 1,2 milhão para liberar um empreendimento, segundo ele.
No total, 18 pessoas foram presas na última segunda-feira (29) em Porto Alegre, Taquara, São Luiz Gonzaga, Santa Cruz do Sul, Pelotas, Caxias do Sul, Caçapava do Sul e Florianópolis, em Santa Catarina. São consultores ambientais, empresários, servidores públicos e até secretários de governo Com eles, a PF achou mais de R$ 500 mil em dinheiro.
Entre os detidos estão dois ex-secretários estaduais do Meio Ambiente, Berfran Rosado e Carlos Fernando Niedersberg, além de um ex-secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre, Luis Fernando Záchia. Os dois últimos ocupavam o cargo quando foram presos, mas acabaram exonerados. Todos eles foram soltos na sexta-feira (3), mas serão indiciados pela PF, em uma lista que já contabiliza 22 pessoas e que deve ficar ainda maior.
Teoricamente, são pessoas que deveriam proteger o meio ambiente. Mas as investigações da PF e o Ministério Público Federal (MPF) mostram outra realidade: “Até mesmo em situações que já sabiam que haveria dano ao meio ambiente, mesmo assim liberavam os empreendimentos”, afirmou o delegado Sandro Caron, superintendente da PF no Rio Grande do Sul.
O esquema funcionaria da seguinte maneira: empresários eram procurados para que tivessem suas licenças liberadas mais rapidamente e sem burocracia. É o caso do empreendedor ouvido pela reportagem, que prefere não se identificar. Dono de um empreendimento, ele conta que nunca conseguiu licenças para trabalhar. Após a operação da PF, resolveu falar.
Ele conta que teve contato com os chamados “despachantes ambientais”, consultores contratados para agilizar o processo de liberação das licenças junto aos órgãos públicos. “O prazo normal é de um ano, isso é por lei. Em um ano, o setor do meio ambiente tem que emitir a licença. Deferindo ou indeferindo, mas o que me prometeram é que pagando ‘saia’ essa licença em três meses”, revela.
Se a propina não fosse paga, as licenças podiam ser canceladas
As facilidades vendidas pelo grupo ainda eram parceladas. E, caso o empresário deixasse de pagar, tudo seria cancelado novamente. “Esse valor de R$ 1,2 milhão seria dividido em seis pagamentos. E a partir da emissão da licença, eu teria 15 dias para pagar a primeira parcela e 30 dias para pagar as demais. A promessa era essa. Eu só pagaria após a emissão da licença. E se eu deixasse de pagar, a licença seria cancelada”, revela.
Outra prática flagrada na investigação é de empresários que pagavam propina a servidores para prejudicar e dificultar a liberação de licenças a concorrentes. “Havia intercedência também não só para agilização de processos, mas para obstaculizar outros empreendimentos concorrentes”, destaca o delegado regional da PF, Daniel Justo Madruga.
A investigação tem mais de mil páginas e traz detalhes de negociatas envolvendo a construção de condomínios de luxo no Litoral Norte do estado, obras de grandes empreendimentos na capital, extração de areia, calcário e aquisição de fontes de água. Em alguns casos, a corrupção era para liberar licenças que nunca deveriam sair do papel.
O inquérito da PF e a manifestação do MPF devem ser concluídos em até 40 dias. “Era uma corrupção generalizada, envolvia órgãos federais, estaduais e municipal. Por isso, da operação estar sendo conduzida na área federal. Eram empresários que até, também por conta da burocracia, que é grande, tentavam regularizar seu empreendimento, tanto mineral como imobiliário, e batia na burocracia, nas dificuldades. Então ele procurava esses servidores, que facilitavam. E de varias formas, uma acelerando e outras até mesmo concedendo licenças em áreas que jamais poderiam ser exploradas”, diz o procurador da República, Manoel Pastana.
Burocracia cria brecha para corrupção, diz promotor
Todo esse esquema seria para driblar leis que foram feitas para proteger o meio ambiente, criadas para conciliar desenvolvimento e preservação. No Brasil, o ano de 1981 marca a mudança na legislação ambiental no país, com a criação da Política Nacional do Meio Ambiente.
Foi com a lei de numero 6938, que nasceu a licença ambiental, que conhecemos hoje. “A licença ambiental é um instrumento preventivo. O poder público passa a ter conhecimento daquelas atividades e já estabelece como limitação ou restrição algumas condicionantes para que aquela atividade funcione sem atingir o meio ambiente”, explica o promotor de Justiça Alexandre Saltz.
Mais de R$ 500 mil em dinheiro foram apreendidos
com suspeitos (Foto: Polícia Federal/Divulgação)
O promotor, especializado em meio ambiente, diz também que nas ultimas
décadas as leis sobre a questão ambiental foram aprimoradas. Em 2011, o
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), com uma lei complementar
determinou quem fiscaliza todas as atividades de impacto significativo: o
município, o estado ou a União.com suspeitos (Foto: Polícia Federal/Divulgação)
Funciona assim: quem quer fazer o empreendimento e precisa da licença deve procurar um dos três órgãos fiscalizadores. O município, através da Secretaria do Meio Ambiente; o estado, no caso do Rio Grande do Sul, o órgão responsável é a Fepam; ou a União, através do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Entre o interessado e os órgãos ambientais, ficam as empresas de consultorias conhecidas como “despachantes ambientais”. Elas, na maioria das vezes, fazem os estudos e o relatório de impacto ambiental. O que, segundo o promotor Saltz, exigem uma equipe de especialistas. “O órgão ambiental diz para o empreendedor: ‘aqui eu quero uma análise que vai ter biólogo, geólogo, engenheiro químico, historiólogo, antropólogo’, enfim, depende do tipo de empreendimento”, destaca.
E as exigências variam mesmo, segundo o presidente da Associação Gaúcha de Proteção Ambiental (Agapan), Francisco Milanez. “Por exemplo, se eu estiver fazendo um loteamento em um local que tem um morro, uma mata de preservação, eu vou ver se não têm espécies endêmicas, espécies que só existem ali. Se eu destruir essa floresta, eu vou destruir essa espécie para sempre”, exemplifica.
A concessão das licenças leva no mínimo um ano, mas o prazo pode ser bem maior se houver a necessidade de refazer estudos incompletos, o que é comum. “Se o estado não se aparelhar para dar essa resposta aos empreendedores, vai ficar sempre um vácuo nessa administração, que proporciona esse tipo de conduta”, diz o promotor Saltz. “Aí surge aquela questão, que é ‘criar dificuldades para vender facilidades’”, acrescenta Milanez.
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