terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Moradores vão à polícia contra sarau erótico e bares na Vila Madalena

Atualizado em 18/02/2014 13h23

Denúncias de barulho viraram caso de polícia na semana passada em SP.
Polícia Civil apura queixa de perturbação do sossego; casas se defendem.

Kleber Tomaz Do G1 São Paulo

Foto mostra reprodução de cartas do último sarau erótico que ocorreu numa casa na Vila Madalena. Barulho durante o evento virou alvo de reclamação de moradores do bairro. Caso foi parar na polícia.  (Foto: Reprodução / Divulgação Nossa Casa Confraria de Ideias)Foto mostra reprodução de cartaz do último sarau erótico (Foto: Divulgação Nossa Casa Confraria de Ideias)
O barulho virou caso de polícia na semana passada na Vila Madalena, bairro da Zona Oeste de São Paulo conhecido pela agitada vida cultural e boêmia. Os vizinhos dizem que o som alto causado pelo trânsito durante o dia ganha, à noite, a companhia do barulho que emana das boates, barzinhos, restaurantes e até de um sarau erótico.

Moradores reclamam do som de uma festa noturna que atrai mais de 300 pessoas uma vez por mês na Rua Belmiro Braga. Organizado pela Nossa Casa Confraria de Ideias, o Sarau Erótico reúne interessados em ouvir e declamar poesias eróticas, assistir a filmes e peças teatrais com a mesma temática e ouvir música tocada por DJs ou bandas convidadas.
Alegando que a fiscalização da Prefeitura de São Paulo é omissa em casas como essa, quem mora no bairro decidiu recorrer à Polícia Civil. Na semana passada, o 14º Distrito Policial, em Pinheiros, instaurou inquérito para apurar a queixa de perturbação do sossego contra os estabelecimentos comerciais. “Nossa equipe irá investigar a perturbação, que é uma contravenção penal”, disse o delegado Gilmar Pasquini Contrera. Pela lei, o infrator pode receber pena de prisão de 15 dias a três meses ou pagamento de multa.
Casal de moradores de um prédio que fica num cruzamento repleto de bares reclamam do barulho na Vila Madalena. Um deles aponta para um estabelecimento que, segundo ele, tem música ao vivo que não o deixa dormir (Foto: Kleber Tomaz / G1)Morador aponta para casa que tem música ao vivo
que não o deixa dormir (Kleber Tomaz/G1)
Um dos moradores responsáveis pela denúncia explicou a decisão. “Os barzinhos e o barulho estão nos expulsando da Vila Madalena. Como o poder público não faz nada para coibir essa irregularidade, os moradores não encontram outra alternativa: ou são obrigados a se mudar ou procuram a polícia”, afirmou um idoso que, assim como os demais moradores, preferiu não se identificar por temer possíveis represálias dos comerciantes.
O denunciante mora há mais de dez anos com o companheiro num apartamento na Rua Inácio Pereira da Rocha, próximo a um cruzamento repleto de bares. “Inventaram até um sarau erótico aqui perto de casa, com garçonetes de calcinha, sem sutiã, gente fazendo sexo explícito, falando alto e cantando músicas com palavrão”.
Procurados pelo G1, os sócios do sarau negaram haver sexo explícito no local e alegaram ainda que estão se adequando às necessidades dos moradores vizinhos para manter com eles um convívio saudável. “A ideia é comprar portas com isolamento acústico mais para a frente. Mas para isso precisamos de dinheiro”, disse Katia Pisacane, a Ruiva, uma das sócias da Nossa Casa Confraria de Ideias. Nos corredores do imóvel, um cartaz faz menção à preocupação dos sócios. "Por favor, falar baixo. Vizinho dormindo", informa um papel na parede.
De acordo com o grupo, a ideia do sarau erótico é quebrar o preconceito das pessoas para o tema. “Mulheres ficam nuas e homens pintam e fotografam seus corpos. Apesar da liberdade há respeito aqui dentro. Afinal de contas, também é nossa casa”, afirmou Berimba de Jesus,  outro sócio da casa.
Também citada na denúncia, o espaço cultural Puxadinho da Praça funciona há um ano e meio na mesma Rua Belmiro Braga. Segundo um dos sócios-proprietários do estabelecimento, Fernando Soares, o Fernando Tubarão, a casa já teve problemas de acústica. “Isso foi resolvido. No início, reclamavam dos DJs, mas foi resolvido também. Desde que um vizinho reclamou, reduziu o som”, relatou. “O que não dá para impedir é as pessoas conversarem na rua.”
Ruiva e Berimba de Jesus, dois dois três sócios da Nossa Casa Confraria de Ideias, que realiza o sarau erótico uma vez por mês, na Vila Madalena. Preocupação com o barulho levou grupo a colcar cartazes pedindo para os frequentadores não falarem alto (Foto: Kleber Tomaz / G1)Ruiva e Berimba de Jesus, sócios da Nossa Casa
Confraria de Ideias (Foto: Kleber Tomaz / G1)
O Puxadinho é voltado para bandas autorais e chega a ter de sete a nove bandas se apresentando por semana, segundo Tubarão. Ele acrescentou que está disposto a conversar com os vizinhos para chegar a um consenso. “Queremos melhorar. Entendo o problema do barulho até porque os moradores estão aqui antes de nós.”
Outro estabelecimento citado, a Casa Maria de Madalena não foi localizada pela equipe de reportagem para comentar o assunto.
Um professor de música que mora no bairro disse não aguentar mais o barulho. “Mesmo com o calor desse verão não conseguimos dormir mais com a janela aberta. Além do trânsito de dia, temos que nos enclausurar em casa devido ao barulho dos barzinhos”, reclamou. “Sou casado e tenho filha pequena que também precisa descansar.”
Psiu
A fiscalização para saber se as casas noturnas e bares estão cumprindo a lei que regula a poluição sonora cabe ao Programa Silêncio Urbano (Psiu), da Secretaria de Coordenação das Subprefeituras. Procurado pelo G1 para comentar o assunto, o Psiu encaminhou nota à redação sobre o balanço do trabalho realizado em 2013, citando números de reclamações, atendimentos, lacrações e interdições em pontos que descumpriram a lei.
Por meio de nota, a pasta informou que, em 2013, o Psiu “recebeu 29.906 reclamações e realizou 32.823 atendimentos. Esses atendimentos resultaram em 447 multas e lacrações de bares abertos após a 1 hora, 208 fechamentos administrativos com apoio policial, 105 multas por ruído, 21 estabelecimentos emparedados e 16 interdições.”
De acordo com o subprefeito de Pinheiros, Angelo Filardo Júnior, as reclamações de ruído urbano que chegam à subprefeitura sempre são encaminhadas ao Psiu. Ele afirmou que as subprefeituras “fiscalizam a regularidade das construções, as licenças de funcionamento e outros itens, como permissão de uso para mesas e cadeiras no passeio público.”
Com fones de proteção para os ouvidos, Tom Green, morador e membro do SOSsego Vila Madalena, mostra decibelímetro usado para realizar o mapa do barulho do bairro (Foto: Kleber Tomaz / G1)Com fones de proteção para ouvidos, Tom Green,
mostra decibelímetro usado para realizar o mapa
do barulho do bairro (Foto: Kleber Tomaz / G1)
A subprefeitura informou não disponibilizar de dados precisos para saber quantos imóveis residenciais e comerciais existem na Vila Madalena. Indagado sobre o número de bares, restaurantes e casas noturnas, o subprefeito respondeu que “esses dados são da Secretaria de Finanças que não os divulga. A fiscalização só tem acesso a bares, restaurantes e casas noturnas com problemas.”
Ainda segundo o órgão, a Supervisão Técnica de Fiscalização realizou no ano de 2013 e em Janeiro de 2014, um total de 574 vistorias na Vila Madalena. “Deste total, podemos ressaltar 108 vistorias realizadas em relação ao assunto ‘atividade’. As vistorias resultaram em um total de 194 autos de multa lavrados, representando um valor total de mais de R$ 1 milhão.”
Decibéis
O SOSsego Vila Madalena, grupo formado por moradores, mapeou esse barulho e registrou mais de 90 decibéis (dB) no bairro, o dobro do limite permitido pela Lei de Zoneamento para os períodos diurno e noturno em zonas mistas (áreas industriais e residenciais).
“Menos de 5% dos mais de mil bares e casas noturnas na Vila Madalena que funcionam até depois da 1h têm isolamento acústico, como determina a lei”, afirmou o morador Tom Green, comerciante e integrante do SOSsego. “Todo esse barulho desenvolve uma série de doenças e problemas sociais na comunidade. O perfil do nosso bairro é de idosos, crianças. Pessoas que merecem qualidade de vida”.
De acordo com o Psiu, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que o barulho “aumenta o estresse, a pressão sanguínea, o ritmo cardíaco, as contrações musculares e causa surdez, alterações mentais e emocionais”.
Segundo Green, que é inglês e está no Brasil desde 1998, não adianta mais os moradores pedirem para o dono de um bar abaixar o volume ou recorrer à Prefeitura. “Quando viramos as costas os barzinhos aumentam o som. E o governo está surdo mesmo porque não escuta a população”.
Mapa do Barulho feito por grupos de moradores da Vila Madalena mostra as ruas com mais ruído do bairro (Foto: Reprodução)Mapa do Barulho feito por grupos de moradores da
Vila Madalena mostra as ruas com mais ruído do
bairro (Foto: Reprodução)
Mapa do barulho
O mapa do barulho da Vila Madalena, que pode ser acessado no site do grupo (e visto ao lado), foi realizado após medição feita entre 21 de março e 5 de abril de 2013 em dez vias do bairro. Dois decibelímetros foram usados. De acordo com o levantamento, foram identificados 18 pontos com níveis de decibéis acima do máximo permitido.
Segundo o SOSsego, a medição sonora apontou que a Rua Aspicuelta é a mais barulhenta da Vila Madalena: 95 decibéis por noite. “Imagine morar ao lado de casas que recebem mais de 300 pessoas por noite, gente falando alto nas calçadas, carros com caixas de som na frente, pessoas bêbadas e drogadas urinando e pichando a porta da sua casa”, disse Green.
“Nesse o cenário que encontramos todos os dias, a Vila Madalena não tem estrutura para ser a balada de São Paulo”, afirmou o morador. “Agora estamos preocupados com o carnaval de rua e a Copa do Mundo. Além dos blocos carnavalescos, muitas pessoas irão lotar os bares para assistirem aos jogos pela TV. Mais bagunça à vista”.
Serviço
Programa Silêncio Urbano (Psiu)
Psiu recebe denúncias sobre estabelecimentos que emitem excesso de ruído, constante ou permanente. As denúncias devem ser feitas pelo telefone 156, nas subprefeituras e no portal da Prefeitura na internet (http://www.prefeitura.sp.gov.br)
O que pode ser vistoriado
Bares, restaurantes, pizzarias, padarias, boates, salão de festas, casas de espetáculos, salas de reuniões, templos religiosos, ginásios esportivos, oficinas, indústrias, edifícios, obras em construção civil e residências particulares onde há atividade intelectual
O que não pode ser vistoriado
Residência particular (exceto em alguns casos), vendedores ambulantes, buzinas de veículos, aeroportos, desfiles e paradas, reunião nas ruas, propaganda política em período pré-eleitoral, sambódromo e autódromo
Como é feita a medição
Técnicos que participam da fiscalização usam o decibelímetro, que mede o nível de ruído produzido pelo estabelecimento. Medição é feita nos padrões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Se o local ultrapassar os índices permitidos para o zoneamento de uso, de acordo com horário, será multado, interditado e lacrado.
Limites de ruídos em São Paulo, segundo Lei de zoneamento 13.885/04:
zona residencial: 7 às 19h – 50 dB / 19h às 7h – 45 dB
zona mista: 7 às 22h – 65 dB / 22 às 7 – 45dB
zona industrial: 7 às 22h – 65 dB / 22 às 7h – 55 dB
Polícia Militar (PM), Polícia Civil, Guarda Civil Metropolitana (GCM) e Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) podem apoiar a fiscalização do Psiu.
O estabelecimento que descumpre a Lei da 1 hora está sujeito à multa de R$ 34.500 mil. Se desobedecer novamente a lei, é lacrado na hora. Já para a desobediência à Lei do Ruído, a primeira multa pode variar de 300, 150, 100 a 50 UFMs (Unidade Fiscal do Município), de acordo com a capacidade de pessoas. O valor do UFM, como consta no Diário Oficial, é de R$ 115.

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