Em dez anos, o Ceará perdeu 1.060 leitos de pediatria
Com saúde não se brinca. A máxima pode parecer banal, mas carrega muita
seriedade quando se parte para uma reflexão do atendimento em saúde
voltado para a criança. Nos últimos dez anos, o Estado perdeu 16
hospitais, setores ou núcleos de pediatria, totalizando 1.060 leitos a
menos. Hoje, no Ceará, há 965 leitos, entre públicos, privados e em
Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
O problema, porém, não é apenas local. Médicos e outros profissionais de
saúde reconhecem que o setor passa por uma crise. Os planos de saúde,
por exemplo, remuneram, em média, R$ 30,00, valor considerado baixo
pelos médicos.
Em Fortaleza, todo dia o problema vem à tona nas emergências públicas e
privadas, nas filas dos postos de saúde, na marcação de consultas. Não é
raro encontrar, nessa peregrinação, mães do Interior, adolescentes sem
informação, crianças com doenças graves tendo que esperar meses por
atendimento especializado e filas para conseguir consulta também
particular.
No Ceará, de acordo com a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), na rede
pública, existem 519 leitos pediátricos de médio e alto risco e de UTI
pediátrica e neonatal do Estado em Fortaleza. Entretanto, outros 33
hospitais polo também atendem as crianças com doenças de alto e médio
risco no interior. Esses hospitais, de acordo com a Assessoria de
Imprensa da Sesa ou são municipais ou ligados a instituições
filantrópicas e recebem, mensalmente, R$ 5,4 milhões do Governo do
Estado, para que a população do interior não precise se deslocar até
Fortaleza para ser atendida.
Contudo, esses hospitais não suprem as necessidades da população e
muitas pessoas precisam vir até as unidades de Fortaleza para conseguir
atendimento especializado, como oncologia ou neurologia, por exemplo.
Foi esse o destino da agricultora Marla de Sousa Andrade, de Russas. Aos
três meses, a sua filha Heloá começou a ter convulsões e desmaiar sem
motivo aparente. Sempre que a menina tinha crises, a mãe corria para o
hospital do município, onde Heloá era medicada. Contudo, o pediatra
pediu que a mãe procurasse um especialista. Nesse caso, um neurologista.
Como naquela cidade não tem médico neurologista, Marla veio até o
Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), em Fortaleza. Após fazer vários
exames e ficar três dias internada com a filha, elas saíram sem um
diagnóstico e com um retorno a ser marcado. Pela falta de vagas, Heloá
só conseguiu uma nova consulta para dali a um ano e seis meses.
Hoje, Heloá tem um ano e nove meses e, mais uma vez, teve que se
deslocar com a mãe até Fortaleza para a consulta. "Nesse tempo, ela já
convulsionou umas 15 vezes e lá, só posso levá-la para tomar remédios no
hospital. Eu tenho medo que aconteça alguma coisa muito séria com ela",
ressalta.
Leucemia
A também agricultora Maria Marileide da Silva teve que sair de sua
cidade natal para morar na casa de apoio da Prefeitura de Nova Olinda,
em Fortaleza, quando descobriu que a filha caçula, Ana Maria, de 8 anos,
tinha leucemia. Antes de procurarem atendimento no Hospital Pediátrico
do Câncer, que atua em parceria com o Hospital Infantil Albert Sabin, as
duas ainda tentaram o tratamento no Crato, mas não notaram melhora na
menina, porque não havia aplicação de quimioterapia.
Perto de terminar o tratamento, a menina já pensa em voltar à cidade
natal e à sua antiga rotina. "Quero fazer tarefa e assistir os meus DVDs
em casa", diz.
Mesmo morando em Fortaleza, a dona-de-casa Fabiana Dias Carvalho também
foi obrigada a procurar o Hospital Infantil Albert Sabin, porque o Posto
de Saúde mais próximo da sua casa não faz atendimento de emergência.
"Ela já teve broncopneumonia e ficou internada. Tenho medo de voltar a
doença, por isso corri logo para cá", explica.
Problema Nacional
Essa redução na quantidade de leitos não é exclusiva dessa
especialidade, nem tampouco do Ceará. O Estado, entre 2005 e 2012,
passou de 16.475 leitos para 15.925, com uma perda de 550 unidades, o
que representa redução de 3,3%. De acordo com um levantamento do
Conselho Federal de Medicina, divulgado em setembro pelo Diário do
Nordeste, a pediatria foi a segunda especialidade mais atingida com
essas perdas, com uma redução de 8.979 leitos. Em primeiro lugar, está a
da psiquiatria (9.297). Em segundo, a obstetrícia (5.862), seguida da
cirurgia geral (5.033) e clínica geral (4.912). A falta de
financiamentos e de infraestrutura é considerada pela análise como fator
impactante no número de leitos disponíveis, prejudicando, assim, o
trabalho médico.
Falta de pediatras
Segundo a conselheira do Conselho Regional de Medicina e diretora de
defesa profissional da Sociedade Brasileira de Pediatria, Regina
Portela, o número de pediatras ainda é insuficiente para atender à
demanda. "Na Sociedade Cearense de Pediatria, da qual faço parte e fui
presidente, são 800 médicos sócios. Destes, apenas 150 atendem em
consultório com regularidade, cerca de três vezes por semana. O restante
ou está aposentado ou só atende nos plantões de emergência".
Para Regina Portela, os baixos valores pagos por consulta e a
necessidade de o médico estar disponível 24 horas para tirar dúvidas das
mães são fatores que desestimulam o ingresso dos médicos nessa
especialidade. "Um dos planos de saúde paga cerca de R$ 55,00 por
consulta, mas após os descontos, esse valor cai para menos de R$30,00.
Um consultório é uma empresa como qualquer outra e temos gastos elevados
que acabam não compensando financeiramente para muitos profissionais",
explica.
Segundo a diretora comercial da Cooperativa dos Pediatras do Ceará
(Cooped), Joana Maciel, a entidade agrega 592 médicos que trabalham em
regime de plantão em Fortaleza e Maracanaú. "Todos os anos temos um
acréscimo de cerca de 5% no número de cooperados, pelos profissionais
que terminam a residência em pediatria", afirma.
A tabela de pagamento da Cooped estipula um valor de R$897,48 para 12
horas de plantão na semana. Nos fins de semana, feriados e no período
noturno, o valor é de R$ 1.218,74.
Por conta desse valor mais alto, pago pelos plantões, no consultório de
Regina Portela, o número de pacientes atendidos sofreu um acréscimo de
50%. "Há dois anos, eu atendia uma média de 12 pacientes, hoje são 18 e
estou no meu limite. Costumo brincar que as mães devem tratar muito bem
os pediatras dos seus filhos, porque não é mais tão fácil achar um",
diz.
Como representante da Sociedade Brasileira de Pediatria, Regina Portela
admite que os baixos valores não são uma realidade só do Ceará, mas de
todo o Brasil. "Nós queremos que os planos de saúde nos paguem R$80,00
por consulta normal e R$120,00 nas consultas de puericultura, em que o
médico tem que atender a 17 ítens no exame", esclarece.
A partir desse mês essa reivindicação foi parcialmente atendida e um dos
planos de saúde passou a pagar R$100,0 por esse tipo de consulta, em
que os bebês, durante os doze primeiros meses, são examinados sob vários
aspectos, como o peso, a altura e o perímetro encefálico.
Especialidades
Na rede pública, existem seis hospitais de referência em atendimento
pediátrico: Hospital Infantil Albert Sabin, Hospital Geral de Fortaleza,
Hospital Geral Dr. Cesar Cals, Hospital Dr. Waldemar de Alcântara,
Hospital Geral de Fortaleza, Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto
Studart Gomes e Hospital Geral da Polícia Militar.
O Hias é o único que só atende o público infantil e atua em diferentes
especialidades. Já os Hospitais Gerais de Fortaleza, Cesar Cals, da
Polícia Militar e Waldemar Alcântara atendem todo o tipo de público,
inclusive o infantil. O Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart
Gomes é referência em atendimento a adultos e crianças em cardiologia e
pneumologia.
Planos de saúde têm mais leitos que a rede pública
Nem sempre ter um plano de saúde significa direito a mais conforto ou a
um tempo de espera menor por consulta. No caso do atendimento
pediátrico, sobram reclamações, principalmente na fila de espera nas
emergências e também por uma consulta de primeira vez que, dependendo do
profissional, pode demorar mais de dois meses.
A auxiliar administrativa Ligiana Oliveira, por exemplo, preferiu trocar
de plano para conseguir atendimento para o filho Lucas Heitor, de dois
anos. A pediatra que o atende só o encaminhava para o Hospital Luis
França e ela resolveu fazer o plano do próprio hospital.
"Eu sempre vinha pra cá, mesmo tendo outro plano e preferi gastar menos
com esse plano do Hospital. Por mais que demore um pouco, a gente é
sempre atendido e eu gosto muito dessa médica", diz.
Na rede privada de saúde, existem 650 leitos, entre os de médio e alto
risco e UTIs pediátricas e neonatais. São 131 a mais que na rede
pública. De acordo com o presidente da Associação dos Hospitais do
Ceará, Aramicy Pinto, entre leitos de hospitais públicos e privados,
foram fechados 1.060 leitos.
O principal motivo para essa redução foi o financeiro. "Estes hospitais
fecharam por dificuldades de gestão, haja vista a alta carga tributária
do setor e os valores remuneratórios para os atendimentos estarem muito
abaixo do custo. A razão foi o congelamento da tabela do SUS pro 12
anos", explica.
A pediatria, assim como a psiquiatria, foi a principal atingida com esse
congelamento. "As especialidades em pediatria e psiquiatria não têm
sido prioritárias para os médicos recém-formados, face ao baixo valor da
consulta, tanto no SUS como nos convênios e dos procedimentos
clínicos", ressalta.
Os planos da Unimed e do Hap Vida, por exemplo, contam com clínicas de
atendimento exclusivamente pediátrico. Na Unimed, existe o Centro
Pediátrico, que concentra os atendimentos de urgência voltados para esse
público, dos clientes Multiplan e Uniplano, que antes eram realizados
no Hospital Regional Unimed (HRU).
Essa unidade, localizada no Joaquim Távora, atende crianças de 0 a 16
anos e oferece atendimento com resolubilidade nas primeiras 12 horas.
Caso o paciente necessite de um período maior de observação, ele é
encaminhado para uma unidade hospitalar da rede credenciada,
transportado por UTI móvel da Unimed Urgente. São 8 leitos de UTI
pediátrica e 10 de UTI Neonatal, todos localizados no Hospital Regional
do convênio. Na Unimed, são 528 pediatras e neonatologistas cooperados
O plano de saúde Hap Vida mantém, em todo o Estado, um total de 190
leitos destinados às crianças. Em Fortaleza, o Hospital Antônio Prudente
conta com UTI Pediátrica, Neonatal, Internação pediátrica, enfermaria
pediátrica, maternidade, emergência pediátrica, berçário e Espaço Mãe
Canguru. No Hospital Ana Lima, em Maracanaú, há internação e emergência
exclusiva para crianças.
Esse convênio ainda tem cerca de 150 pediatras trabalhando em sua rede
própria. Também foram inauguradas neste ano a Hapclínica, na Padre
Antônio Tomás, voltada somente para o atendimento pediátrico.
Planos de saúde têm mais leitos que a rede pública
Nem sempre ter um plano de saúde significa direito a mais conforto ou a
um tempo de espera menor por consulta. No caso do atendimento
pediátrico, sobram reclamações, principalmente na fila de espera nas
emergências e também por uma consulta de primeira vez que, dependendo do
profissional, pode demorar mais de dois meses.
A auxiliar administrativa Ligiana Oliveira, por exemplo, preferiu trocar
de plano para conseguir atendimento para o filho Lucas Heitor, de dois
anos. A pediatra que o atende só o encaminhava para o Hospital Luis
França e ela resolveu fazer o plano do próprio hospital.
"Eu sempre vinha pra cá, mesmo tendo outro plano e preferi gastar menos
com esse plano do Hospital. Por mais que demore um pouco, a gente é
sempre atendido e eu gosto muito dessa médica", diz.
Na rede privada de saúde, existem 650 leitos, entre os de médio e alto
risco e UTIs pediátricas e neonatais. São 131 a mais que na rede
pública. De acordo com o presidente da Associação dos Hospitais do
Ceará, Aramicy Pinto, entre leitos de hospitais públicos e privados,
foram fechados 1.060 leitos.
O principal motivo para essa redução foi o financeiro. "Estes hospitais
fecharam por dificuldades de gestão, haja vista a alta carga tributária
do setor e os valores remuneratórios para os atendimentos estarem muito
abaixo do custo. A razão foi o congelamento da tabela do SUS pro 12
anos", explica.
A pediatria, assim como a psiquiatria, foi a principal atingida com esse
congelamento. "As especialidades em pediatria e psiquiatria não têm
sido prioritárias para os médicos recém-formados, face ao baixo valor da
consulta, tanto no SUS como nos convênios e dos procedimentos
clínicos", ressalta.
Os planos da Unimed e do Hap Vida, por exemplo, contam com clínicas de
atendimento exclusivamente pediátrico. Na Unimed, existe o Centro
Pediátrico, que concentra os atendimentos de urgência voltados para esse
público, dos clientes Multiplan e Uniplano, que antes eram realizados
no Hospital Regional Unimed (HRU).
Essa unidade, localizada no Joaquim Távora, atende crianças de 0 a 16
anos e oferece atendimento com resolubilidade nas primeiras 12 horas.
Caso o paciente necessite de um período maior de observação, ele é
encaminhado para uma unidade hospitalar da rede credenciada,
transportado por UTI móvel da Unimed Urgente. São 8 leitos de UTI
pediátrica e 10 de UTI Neonatal, todos localizados no Hospital Regional
do convênio. Na Unimed, são 528 pediatras e neonatologistas cooperados
O plano de saúde Hap Vida mantém, em todo o Estado, um total de 190
leitos destinados às crianças. Em Fortaleza, o Hospital Antônio Prudente
conta com UTI Pediátrica, Neonatal, Internação pediátrica, enfermaria
pediátrica, maternidade, emergência pediátrica, berçário e Espaço Mãe
Canguru. No Hospital Ana Lima, em Maracanaú, há internação e emergência
exclusiva para crianças.
Esse convênio ainda tem cerca de 150 pediatras trabalhando em sua rede
própria. Também foram inauguradas neste ano a Hapclínica, na Padre
Antônio Tomás, voltada somente para o atendimento pediátrico.
Fonte: Dn
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