Há seis meses, Carlos Valadares tenta encontrar o proprietário dos dólares encontrados em um lixão
Valadares mora com a família – sua mulher, dois filhos, de 21 e 15 anos, um neto, de 4, e o genro – na cidade de Marlborough, a 50 quilômetros de Boston. Na década de 1980, com 20 anos, cumpriu o roteiro de milhares de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos. Trabalhou como taxista, entregador de jornal, lavador de pratos, soldador e gerente de restaurante. Em 1985, conseguiu o green card, visto de residência permanente que lhe permite viver e trabalhar no país. Hoje, Valadares se divide entre duas ocupações. No verão, aproveita o tempo bom para liderar uma equipe de pintores de casas. Durante o inverno, trabalha com a mulher fazendo faxinas na cidade vizinha de Wellesley. Ganha US$ 6 mil por mês (cerca de R$ 12 mil). Foi como faxineiro que Valadares encontrou o dinheiro, em outubro do ano passado.
Uma de suas atribuições é levar o lixo para a central de despejo e reciclagem da cidade – um local bastante diferente dos lixões brasileiros. O lugar é limpo e ordenado. Há um espaço para descartar resíduos orgânicos, outro totalmente diferente para abrigar material reciclável e outros em que é possível deixar objetos em bom estado, como móveis ou aparelhos eletrônicos. A cada visita, Valadares não deixa de dar uma olhada num canto especial: uma espécie de armário, com portas de correr, com livros para ser doados. Sempre procura obras para a filha Jéssica, estudante do último ano de arquitetura, e revistas sobre a natureza e vida selvagem, uma de suas leituras preferidas. Naquele 12 de outubro, em meio a uma coleção para crianças, encontrou um livro grosso que chamou sua atenção. Pegou o volume, folheou até a página 15, e aconteceu: deparou com as notas, acomodadas no buraco no interior do livro.
Valadares diz que, em nenhum momento, pensou em ficar com o dinheiro sem antes procurar pelo dono. “Foi um descuido da pessoa”, afirma. “Não podia pegar o que não era meu, não foi isso que aprendi com minha família.” Valadares diz ter ido à central de despejo várias vezes durante o mês seguinte à procura do dono, ou de seus herdeiros. Ele imagina que um idoso possa ter deixado o dinheiro entre as páginas sem avisar a família, que se desfez do livro depois de sua morte, sem saber o que continha. Valadares decidiu colocar um anúncio no jornal da cidade. Para não correr o risco de entregar o tesouro a um malandro, estabeleceu algumas regras. A pessoa teria de dizer o título do livro, a quantia exata de dinheiro que estava guardada e descrever outros dois objetos deixados com as notas. Enquanto a notícia do tesouro perdido corria – foi divulgada em jornais locais e redes de televisão, como as grandes Fox e CNN –, Valadares não resistiu a fazer um empréstimo. Diz ter usado cerca de US$ 5 mil para vir ao Brasil. Afirma que restituirá o valor assim que o dono aparecer. Caso ele apareça.
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Como toda boa história de tesouro, essa também precisa ter um fim. Por isso, Valadares estabeleceu o prazo-limite de 8 de maio, exatamente seis meses depois de comunicar a descoberta aos jornais americanos, para se declarar dono da quantia. Nos jornais do dia 9, ele divulgará o nome do livro e os dois objetos encontrados com o dinheiro, encerrando o mistério. Valadares pretende ficar com 90% da quantia para pagar uma parte da dívida de quase US$ 30 mil com a universidade onde a filha estuda e outras contas pendentes. Os 10% restantes serão doados para uma ONG que ele fundou em 1996, a Brazilian Children’s Foundation, registrada em Framingham, também perto de Boston. Por meio dela, ele arrecada dinheiro entre cidadãos americanos para ajudar instituições que cuidam de crianças carentes no Brasil. “A primeira geladeira aqui da casa foi ele quem comprou”, diz a irmã Wanderlita Meira de Araújo, presidente da Fundação Casa da Menina Santa Bernadete, que cuida de meninas abandonadas em Governador Valadares, Minas Gerais. A jornalista brasileira Miryam Wiley, radicada nos Estados Unidos, pretende escrever um livro sobre a história de Valadares, e como sua generosidade parece ter sido recompensada. “Ele está sempre ajudando todo mundo”, diz Miryam. Valadares diz seguir um lema de vida que aprendeu quando pequeno: “O bem que você faz aos outros um dia volta”. Nesse caso, na forma de US$ 20 mil, em espécie.
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