quarta-feira, 1 de maio de 2013

Dedicação incondicional a Juazeiro e sua história


01/05/2013 às 12:10






Renato Casimiro (Foto: Jornal do Cariri)
“Para Renato Casimiro, nas cujas mãos fiéis e certas a herança histórica do Juazeiro repousa”. A dedicatória do historiador e escritor norte-americano Ralph Della Cava, no livro Miracle at Joaseiro (Milagre em Joaseiro), lançado em 1970 nos Estados Unidos e em 1976 no Brasil, vai além de uma demonstração de carinho a um amigo. Sintetiza, em poucas palavras, a representatividade da figura do professor e pesquisador Renato Casimiro para a cidade, e principalmente para a memória de Juazeiro do Norte e do seu patriarca, o Padre Cícero Romão Baptista. Dono de um dos maiores e mais variados acervos sobre a cidade e seu fundador – patrimônio que inclusive está sendo doado à futura Universidade Federal do Cariri –, além de prodigiosa memória e intensa produção intelectual, Renato é hoje a principal referência de pesquisadores e interessados na história da Meca do Cariri.

Nascido a 26 de setembro de 1949, Antônio Renato Soares de Casimiro tem origem romeira, como ele mesmo faz questão de observar, em referência à formação da população da cidade a partir da migração de fiéis devotos do Pe. Cícero. Filho do comerciante Luiz Gonçalves Casimiro, paraibano de Sousa, com a professora Doralice Soares Casimiro, juazeirense filha de alagoanos, nasceu na rua São Francisco e teve no comércio do pai um ponto de partida para uma infância rica em memórias que carrega consigo até hoje.

Quando Renato nasceu, o pai era bancário do antigo Banco do Juazeiro, instituição que passou por diversas fusões até se tornar o atual BicBanco. Alguns anos após o nascimento da filha, Ana Célia, em 1950, Luiz decidiu mudar de ramo. “Ele achou que o salário de bancário era insuficiente para sustentar a família e passou quatro anos viajando pelo Nordeste, junto com minha mãe, ele vendendo joias, e ela rendas e artesanatos do Ceará”. Enquanto isso, Renato e a irmã, a essa altura já moradores da rua São José, ficavam com a avó e as tias.

Por volta de 1954, Doralice deixou as viagens com o marido. Professora formada pela Escola Normal Rural, ela mesma alfabetizou os filhos em casa. Renato ingressou na mesma instituição, onde entrou primeiro no Grupo Rural Modelo e fez a transição da alfabetização ao primário. Após este período, submeteu-se a exame de admissão e passou a estudar no Ginásio Salesiano, onde se “formou” em 1964, como o melhor aluno, tendo direito a medalha, período em que se alternava com o amigo Daniel Walker – outro grande conhecedor e pesquisador da história da cidade e do Padre Cícero – nas primeiras duas posições do quadro de honra. “Quando chegou dezembro de 1964, tinha a opção de ir para Recife ou Fortaleza”, recorda. Dez anos antes, seu Luiz Casimiro já havia abandonado as viagens para se dedicar ao Centro Elétrico, comércio aberto na época em que Juazeiro se preparava para a eletrificação. O negócio da venda de material elétrico e eletrodomésticos permitiu a Luiz ficar próximo aos filhos e custear os estudos de Renato em Fortaleza, onde ingressou no Colégio Cearense. “Vim para o Cearense em 1965 e fiquei dois anos interno”, lembra.

Renato guarda até hoje a lembrança da sua infância em Juazeiro do Norte. Memórias que compõem um livro ainda inacabado sobre os dez anos na rua São José. “Quando a gente vive um período, não tem muita consciência sobre ele. Só de 13 anos para cá decidi começar a escrever. Foram dez anos de uma riqueza tão grande que me permitem falar com entusiasmo sobre o que era a juventude na época”.

Os primeiros anos da adolescência foram marcados por uma cidade de inúmeros atrativos. Renato recorda a expectativa pela chegada da energia elétrica e da televisão. “Vou a juazeiro participar da banca examinadora da defesa da dissertação de mestrado de uma aluna, Monike Feitosa, sobre a importância da TV no desenvolvimento do Cariri. E um dos capítulos fala do trabalho do qual meu pai participou para montar a primeira recepção de sinal de TV. Nesse tempo não havia satélite, e o sinal era captado através de antenas. O pessoal se reuniu e envolveu o prefeito Humberto Bezerra, e o resultado é que, um certo dia em Juazeiro, estávamos vendo televisão, os festivais da Record, da Excelsior, da TV Paulista. Uma transformação grande”, conta, ao citar o espaço cultural interessante, com cinemas e grupos de teatro, além do ambiente místico e religioso vivenciado por ocasião das romarias.

Os passeios de bicicleta com os amigos, os percursos para as Pedrinhas, Lagoa Seca, Malvas e Logradouro, os banhos de rio, a convivência com os romeiros e as peladas futebolísticas também fazem parte da infância de Renato na cidade fundada pelo Padre Cícero. “Lembro da primeira concessionária da Willys Overland, do Sebastião Amorim, na Santa Luzia, da Varig, dos jogos na LDJ [Liga Desportiva Juazeirense] ainda cercada e sem muro”, diz ele ao lembrar da “farra” que era assistir às escavações para os postes de energia elétrica que chegaria em 1961 e os enormes rádios através dos quais se ouviam os jogos na pracinha do Socorro. Nesse tempo, Juazeiro tinha cerca de 60 mil habitantes, que assistiam programas de auditório nas manhãs de domingo, frequentavam festas em casas de família e em clubes como o Doze e o Treze. A praça, por sinal, era o ponto de encontro da juventude que frequentava os colégios mais importantes, como o Ginásio Salesiano, a Escola Normal Rural, o Ginásio Monsenhor Macedo e a Escola Técnica de Comércio. “Era um ambiente muito festivo, todo mundo passava pela praça, que era centro de convergência onde a gente se encontrava, namorava, conversava com os
amigos”, acrescenta.

O “esquema de bastante proteção” montado pela família fez com que o estudante encarasse com naturalidade a mudança para Fortaleza, em meados dos anos 60. Em 1968, passou em terceiro lugar para o curso de Engenharia Química da UFC. Como quem ingressava em Engenharia podia fazer uma segunda graduação, formou-se Químico Industrial em 1971 e Engenheiro no ano seguinte. Em março de 1973, foi convidado a trabalhar na recém fundada Universidade de Fortaleza (Unifor). Em dezembro do mesmo ano, foi aprovado no concurso da UFC, onde atuou por 32 anos como professor, passando pelas áreas de Biologia, Bioquímica, Microbiologia e Biotecnologia. Fez doutorado na Universidade de São Paulo (USP) a partir de 1977, retornando ao Ceará em 1980.

Mesmo com o intenso trabalho acadêmico, o pesquisador nunca perdeu Juazeiro de vista. O interesse pela história da cidade e de seus personagens foi despertado em 1963, depois que Renato leu o livro “O Juazeiro do Padre Cícero”, de Floro Bartolomeu. Em 1922, quando chegou a Juazeiro, o avô de Renato prestou serviços ao fiel escudeiro do Padre Cícero no transporte de mercadorias. “Na questão de 1926, meu avô transportou até Campos Sales, o Batalhão Patriótico formado por Floro Bartolomeu para combater a Coluna Prestes. Por conta disso, eles eram próximos”, afirma Renato.

Ele lembra ainda ter visto na cidade pela primeira vez, em 1963, o historiador Ralph Della Cava. “Ele e sua família eram hóspedes da Irmã Neli, no Dispensário, e vinha ao Salesiano, onde eu estudava, para fazer a pesquisa que deu origem ao grande livro”.

Já no início dos anos 1980, Renato havia começado a desenvolver uma série de atividades ligadas a Juazeiro. “Tinha feito exposições fotográficas e já auxiliava vários pesquisadores a escrever teses e dissertações de mestrado. Vários livros foram feitos com minha participação. Abracei completamente essa questão de estudar e pesquisar sobre Juazeiro paralelamente ao meu trabalho profissional na universidade”, pontua.

De boca em boca, a fama do professor foi se espalhando. Ele virou referência e passou a reunir tudo o que lhe chegava às mãos sobre o Padre Cícero e Juazeiro. “Isso fez com que a história da cidade fosse ficando cada vez mais conhecida. Juntei 26 tipos de coisas”, diz, ao se referir às inúmeras coleções de jornais (Juazeiro teve mais de 550 e o pesquisador juntou mais de 30 mil exemplares), fotografias (quase 20 mil imagens, todas digitalizadas), livros, documentos, literatura de cordel, etc. Com o hábito da leitura adquirido no Colégio Cearense, Renato virou assinante de jornais e começou a recortar tudo que era publicado sobre Juazeiro. Não deu outra: o trabalho de coleta fez avolumarem-se cada vez mais caixas em casa, num acervo que incluía ainda peças de arte popular, tacos de xilogravuras, de oratórios, xilogravuras (mais de 20 mil) e publicações diversas. No escritório de seu apartamento, em Fortaleza, há mais de 3.500 títulos com os temas Padre Cícero e história de Juazeiro, publicados na cidade e de autores da terra.

“Cheguei a um momento que vi que não iria mais adiante. Decidi, portanto, doar isso à UFC, campus Cariri,e lá, tem curso de Biblioteconomia. Doei tudo para eles”, fala, com tranquilidade. Três remessas com mais de 20 caixas cada já seguiram para o Cariri e o professor diz estar prestes a enviar mais 30 caixas. No computador, Renato armazena todos os 3.500 diários oficiais de Juazeiro, além de DVDs com filmes e documentários e também boletins, folhetos distribuídos nas ruas entre os anos 1930 e 1950.

Com os amigos Daniel Walker, José Bendimar, Renato Dantas, Everardo Nobre e José Boaventura, Renato Casimiro, dentre outros, cita ainda o esforço para a estruturação, nos anos 1980, época da criação da Universidade Regional do Cariri (Urca), do Instituto José Marrocos de Pesquisas e Estudos Sócio-Culturais (Ipesc). Concebido como uma grande fonte de pesquisa e orientação aos interessados na história de Juazeiro e da região, o instituto aqueceu a produção intelectual a respeito de Juazeiro, mas acabou definhando, fato que Renato atribui a uma relação mal resolvida entre as cidades do Crato e de Juazeiro.

Aposentado desde 2005 da universidade, Renato, hoje,se dedica integralmente à pesquisa, divulgação e orientação de estudantes e pesquisadores da história de Juazeiro. Já publicou dez livros, escreveu centenas de artigos e coordenou a publicação de outros livros, como a Coleção Centenário, que lançou 20 títulos, entre teses acadêmicas, livros inéditos e raros que estavam esgotados por ocasião do aniversário de 100 anos do município.

Um dos fatos que projetaram ainda mais o nome do professo foi o auxílio ao trabalho de dez anos de pesquisa do jornalista Lira Neto, autor da mais recente biografia do sacerdote, intitulada “Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão”, publicado em 2009. Baseado em documentos raros e inéditos, o autor reconta os 90 anos de vida do sacerdote, desde seu nascimento até a consagração como líder popular. Renato cedeu a Lira uma extensa documentação coligida junto a diversos arquivos particulares e institucionais, recentemente publicados em dois densos volumes, com a professora Luitgarde Oliveira Cavalcante Barros, como parte do projeto “Padre Cícero Romão Baptista e os fatos do Joaseiro”, num esforço conjunto da Diocese de Crato, a Fecomércio (SESC/SENAC), a Fundação Pe. Ibiapina, a PMJN e a Fundação Waldemar de Alcântara. Para este ano, está prevista a 3ª reedição, revista e, agora ampliada, pela Companhia das Letras, da obra “Milagre em Joaseiro”, de Ralph Della Cava, fruto de trabalho conjunto dos professores Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes e Paulo Elpídio de Menezes Neto, além de Geová Sobreira, e a participação de Renato e Daniel Walker, que contribuiu com seu arquivo fotográfico.

Ao avaliar o Juazeiro de hoje, Renato lamenta o crescimento desordenado da urbe nas últimas décadas. “O que havia de bonito na cidade botamos abaixo. Havia, pelo menos, 15 belos prédios públicos e particulares que foram abaixo porque não nos preocupamos em fazer o tombamento. Juazeiro é jovem, mas tinha o que preservar”, reclama, ao justificar a falta de apego à preservação com a miscelânea que forma o conjunto da população juazeirense, em grande parte de outros estados e, portanto, sem o sentimento de apego ou amor ao patrimônio da cidade. Sobre o Padre Cícero, ele é categórico: “Para mim, o Padre Cicero é um santo. A gente tem a noção de que o santo é imaculado, mas quando conhece a história dos santos, vê uma outra realidade (...) Eu acho que ele é uma criatura que se iluminou muito, a ponto de ter descoberto a essência do cristianismo na promoção do homem. Lendo tudo que eu já li, encontrei uma figura humana extraordinária, que beira a santidade. Pelo heroísmo e pela determinação”.

Fonte: Jornal do Cariri

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